MENSAGEM DE SUA SANTIDADE PAPA
FRANCISCO
PARA O DIA
MUNDIAL DAS MISSÕES DE 2023
[22 de outubro de 2023]
Corações ardentes, pés ao caminho (cf. Lc 24, 13-15)
Queridos irmãos e irmãs!
Para o Dia Mundial das Missões deste ano escolhi um
tema que se inspira na história dos discípulos de Emaús, narrada por Lucas no
seu Evangelho (cf. 24, 13-35): «Corações ardentes, pés ao caminho».
Aqueles dois discípulos estavam confusos e desiludidos, mas o encontro com
Cristo na Palavra e no Pão partido acendeu neles o entusiasmo para pôr os pés
ao caminho rumo a Jerusalém e anunciar que o Senhor tinha verdadeiramente
ressuscitado. Na narração evangélica, apreendemos a transformação dos
discípulos a partir de algumas imagens sugestivas: corações ardentes pelas Escrituras
explicadas por Jesus, olhos abertos
para O reconhecer e, como ponto culminante, pés
ao caminho. Meditando sobre estes três aspetos, que traçam o
itinerário dos discípulos missionários, podemos renovar o nosso zelo pela
evangelização no mundo de hoje.
1. Corações
ardentes, «quando nos explicava as Escrituras». A Palavra de Deus ilumina e
transforma o coração na missão.
No caminho de Jerusalém para Emaús, os corações dos
dois discípulos estavam tristes – como transparecia dos seus rostos – por causa
da morte de Jesus, em Quem haviam acreditado (cf. 24, 17). Perante o fracasso
do Mestre crucificado, a esperança de que fosse Ele o Messias, desmoronou-se
neles (cf. 24, 21).
E eis que, «enquanto conversavam e discutiam,
aproximou-Se deles o próprio Jesus e pôs-Se com eles a caminho» (24, 15). Como
no início da vocação dos discípulos, também agora, no momento da frustração, o
Senhor toma a iniciativa de Se aproximar dos seus discípulos e caminhar a par
deles. Na sua grande misericórdia, Ele nunca Se cansa de estar connosco, apesar
dos nossos defeitos, dúvidas, fraquezas e não obstante a tristeza e o pessimismo
nos reduzam a «homens sem inteligência e lentos de espírito» (24, 25), pessoas
de pouca fé.
Hoje como então, o Senhor ressuscitado está próximo
dos seus discípulos missionários e caminha a par deles, sobretudo quando se
sentem frustrados, desanimados, temerosos perante o mistério da iniquidade que
os rodeia e quer sufocá-los. Por isso, «não deixemos que nos roubem a
esperança!» (Francisco, Exort. ap. Evangelii
gaudium, 86). O Senhor é maior do que os nossos problemas, sobretudo quando os
encontramos ao anunciar o Evangelho ao mundo, porque esta missão, afinal, é
d’Ele e nós somos simplesmente os seus humildes colaboradores, «servos inúteis»
(cf. Lc 17, 10).
Em Cristo, expresso a minha proximidade a todos os
missionários e missionárias do mundo, especialmente àqueles que atravessam um
momento difícil: caríssimos, o Senhor ressuscitado está sempre convosco e vê a
vossa generosidade e os vossos sacrifícios em prol da missão evangelizadora em
lugares distantes. Nem todos os dias da vida são cheios de sol, mas
lembremo-nos sempre das palavras do Senhor Jesus aos seus amigos, antes da
Paixão: «No mundo, tereis tribulações; mas tende confiança: Eu já venci o
mundo!» (Jo 16, 33).
Depois de ouvir os dois discípulos no caminho de
Emaús, Jesus ressuscitado, «começando por Moisés e seguindo por todos os
profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que Lhe dizia respeito»
(Lc 24, 27). E os corações dos discípulos inflamaram-se, como no fim
haviam de confidenciar um ao outro: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos
falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» (24, 32). Na realidade,
Jesus é a Palavra viva, a única que pode fazer arder, iluminar e transformar o
coração.
Assim compreendemos melhor a afirmação de São
Jerónimo: «A ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo» (Commentarii
in Isaiam, Prologus). «Sem o Senhor que nos introduz na Sagrada Escritura,
é impossível compreendê-la em profundidade; mas é verdade também o contrário,
ou seja, que, sem a Sagrada Escritura, permanecem indecifráveis os
acontecimentos da missão de Jesus e da sua Igreja no mundo» (Francisco, Carta
ap. sob forma de Motu Proprio Aperuit
illis, 1). Por isso, o conhecimento da Escritura é importante para a vida do
cristão e, mais ainda, para o anúncio de Cristo e do seu Evangelho. Caso
contrário, que iríamos transmitir aos outros senão as próprias ideias e
projetos? E poderia alguma vez um coração frio fazer arder o dos outros?
Portanto, deixemo-nos sempre acompanhar pelo Senhor
ressuscitado que nos explica o sentido das Escrituras. Deixemos que Ele faça
arder o nosso coração, nos ilumine e transforme, para podermos anunciar ao
mundo o seu mistério de salvação com a força e a sabedoria que vêm do seu
Espírito.
2. Olhos que «se
abriram e O reconheceram» ao partir o pão. Jesus na Eucaristia é ápice e fonte
da missão.
Os corações ardentes pela Palavra de Deus impeliram os
discípulos de Emaús a pedir ao misterioso Viandante que ficasse com eles ao
cair da noite. E, encontrando-se ao redor da mesa, os seus olhos abriram-se e
reconheceram-No, quando Ele partiu o pão. O elemento decisivo que abre os olhos
dos discípulos é a sequência de ações efetuadas por Jesus: tomou o pão,
pronunciou a bênção, partiu-o e deu-lho. São gestos comuns de qualquer chefe de
família judia, mas, realizados por Jesus Cristo com a graça do Espírito Santo,
renovam para os dois comensais o sinal da multiplicação dos pães e sobretudo da
Eucaristia, o sacramento do Sacrifício da cruz. Mas, precisamente no momento em
que reconhecem Jesus n’Aquele-que-parte-o-pão, «Ele desapareceu da sua
presença» (Lc 24, 31). Este facto faz compreender uma realidade essencial
da nossa fé: Cristo que parte o pão, torna-Se agora o Pão partido, partilhado
com os discípulos e depois consumido por eles. Tornou-Se invisível, porque
agora entrou dentro do coração dos discípulos para fazê-los arder ainda mais,
impelindo-os a retomar sem demora o seu caminho para comunicar a todos a
experiência única do encontro com o Ressuscitado! Assim, Cristo ressuscitado é
Aquele-que-parte-o-pão e, simultaneamente, o Pão-partido-para-nós. E, por
conseguinte, cada discípulo missionário é chamado a tornar-se, como Jesus e
n’Ele, graças à ação do Espírito Santo, aquele-que-parte-o-pão e
aquele-que-é-pão-partido para o mundo.
A propósito, é preciso ter presente que, se o simples
repartir o pão material com os famintos em nome de Cristo já é um ato cristão
missionário, quanto mais o será o repartir o Pão eucarístico, que é o próprio
Cristo? Trata-se da ação missionária por excelência, porque a Eucaristia é
fonte e ápice da vida e missão da Igreja.
Assim no-lo recordou o Papa Bento XVI: «Não
podemos reservar para nós o amor que celebramos neste sacramento [da
Eucaristia]: por sua natureza, pede para ser comunicado a todos. Aquilo de que
o mundo tem necessidade é do amor de Deus, é de encontrar Cristo e acreditar
n’Ele. Por isso, a Eucaristia é fonte e ápice não só da vida da Igreja, mas
também da sua missão: uma Igreja autenticamente eucarística é uma Igreja
missionária» (Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum
caritatis, 84).
Para dar fruto, devemos permanecer unidos a Ele (cf. Jo
15, 4-9). E esta união realiza-se através da oração quotidiana, particularmente
na adoração, no permanecer em silêncio diante do Senhor, que está
connosco na Eucaristia. Cultivando amorosamente esta comunhão com Cristo, o
discípulo missionário pode tornar-se um místico em ação. Que o nosso coração
anele sempre pela companhia de Jesus, suspirando conforme o ardente pedido dos
dois de Emaús, sobretudo ao entardecer: «Fica connosco, Senhor!» (cf. Lc
24, 29).
3. Pés ao caminho, com a
alegria de proclamar Cristo Ressuscitado. A eterna juventude duma Igreja sempre
em saída.
Depois de abrir os olhos ao reconhecerem Jesus na
fração do pão, os discípulos partiram sem demora e voltaram para Jerusalém (cf.
Lc 24, 33). Este sair apressado para partilhar com os outros a alegria
do encontro com o Senhor, mostra que «a alegria do Evangelho enche o coração e
a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar
por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do
isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria» (Exort. ap. Evangelii
gaudium, 1). Não se pode encontrar verdadeiramente Jesus ressuscitado, sem se
inflamar no desejo de o contar a todos. Por isso, o primeiro e principal
recurso da missão são aqueles que reconheceram Cristo ressuscitado, nas Escrituras
e na Eucaristia, e que trazem o seu fogo no coração e a sua luz no olhar. Eles
podem testemunhar a vida que não morre jamais, mesmo nas situações mais
difíceis e nos momentos mais escuros.
A imagem de pôr os «pés ao caminho» recorda-nos mais
uma vez a validade perene da missio ad gentes, a missão confiada pelo
Senhor ressuscitado à Igreja: evangelizar toda a pessoa e todos os povos até
aos confins da terra. Hoje, mais do que nunca, a humanidade, ferida por tantas
injustiças, divisões e guerras, precisa da Boa Nova da paz e da salvação em
Cristo. Por isso, aproveito esta ocasião para reiterar que «todos têm o direito
de receber o Evangelho. Os cristãos têm o dever de o anunciar sem excluir
ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem partilha uma
alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um banquete apetecível» (Ibid., 14). A
conversão missionária permanece o principal objetivo que nos devemos propor
como indivíduos e como comunidade, porque «a ação missionária é o paradigma de
toda a obra da Igreja» (Ibid., 15).
Como afirma o apóstolo Paulo, o amor de Cristo
conquista-nos e impele-nos (cf. 2 Cor 5, 14). Trata-se aqui do duplo
amor: o de Cristo por nós que apela, inspira e suscita o nosso amor por Ele. E
é este amor que torna sempre jovem a Igreja em saída, com todos os seus membros
em missão para anunciar o
Evangelho de Cristo, convencidos de que «Ele morreu por todos, a fim de
que, os que vivem, não vivam mais para si mesmos, mas para Aquele que por eles
morreu e ressuscitou» (2 Cor 5, 15). Todos podem contribuir para este
movimento missionário: com a oração e a ação, com ofertas de dinheiro e de
sofrimento, com o próprio testemunho. As Obras
Missionárias Pontifícias são o instrumento privilegiado para favorecer esta cooperação
missionária a nível espiritual e material. Por isso, a recolha de ofertas no
Dia Mundial das Missões é destinada à Pontifícia Obra da Propagação da Fé.
A urgência da ação missionária da Igreja comporta
naturalmente uma cooperação missionária, cada vez mais estreita, de todos os
seus membros a todos os níveis. Este é um objetivo essencial do percurso
sinodal que a Igreja está a realizar com as palavras-chave comunhão, participação, missão.
Seguramente tal percurso não é um fechar-se da Igreja sobre si mesma; não é um
processo de sondagem popular para decidir, como num parlamento, o que é
preciso, ou não, acreditar e praticar segundo as preferências humanas. Pelo
contrário, é pôr-se a caminho como os discípulos de Emaús, escutando o Senhor
ressuscitado que não cessa de vir juntar-Se a nós para nos explicar o sentido
das Escrituras e partir o pão para nós, a fim de podermos levar avante, com a
força do Espírito Santo, a sua missão no mundo.
Assim como aqueles dois discípulos narraram aos outros
o que lhes tinha acontecido pelo caminho (cf. Lc 24, 35), assim também o
nosso anúncio há de ser uma jubilosa narração de Cristo Senhor, da sua vida, da
sua paixão, morte e ressurreição, das maravilhas que o seu amor realizou na
nossa vida.
Portanto saiamos também nós, iluminados pelo encontro
com o Ressuscitado e animados pelo seu Espírito. Saiamos com corações ardentes, olhos abertos, pés ao caminho,
para fazer arder outros corações com a Palavra de Deus, abrir outros olhos para
Jesus Eucaristia, e convidar todos a caminharem juntos pelo caminho da paz e da
salvação que Deus, em Cristo, deu à humanidade.
Santa Maria do Caminho, Mãe
dos discípulos missionários de Cristo e Rainha das missões, rogai por nós!
Roma – São João
de Latrão, na
solenidade da Epifania
do Senhor, 6 de janeiro
de 2023. FRANCISCO
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