Quando o Senhor diz no Evangelho que não devemos ser auto-propagandistas
nem protagonistas das nossas ações, falando acerca da oração, da esmola
e do jejum, está-nos a lembrar que o discípulo não deve estar à espera
de enfeitar a sua lapela com medalhas, nem pronto para dar o NIB da sua
conta bancária ao Espírito Santo para que Ele vá transferindo salários e
compensações para a sua conta.
O Evangelho é bem claro quando compara os missionários a “servos
inúteis”. Simplesmente se lhes recomenda que façam tudo aquilo que lhes
compete pela sua condição de servidores, de acordo com os dons e
capacidades recebidas e o reforço abundante da Graça Divina. E devem
restituí-lo gratuitamente (porque também de graça receberam os dons que
Deus lhes creditou…).
Lógica radicalmente oposta à lógica do mundo, que ainda tece loas e
granjeia regalias por vezes escandalosamente chorudas aos que são
pródigos em palavras e demagogias fáceis, mas paupérrimos em valores
éticos, morais, ou outros e completamente alheios à fraternidade e ao
amor para com o próximo.
Já escrevi em textos anteriores que muitos missionários e discípulos do
Evangelho testemunharam essa lógica “invertida” a contra-ponto da do
mundo, dando tudo o que tinham, incuindo o mais precioso de todos os
dons – a própria vida.
Penso hoje, e partilho-o aqui, na história de uma família modesta,
oriunda dos arredores de Viseu e que eu vim a conhecer em Moçambique. É
uma das muitas famílias anónimas, cuja história não vem publicada nos
jornais, muito menos nas revistas cor-de-rosa.
Um dia, nos idos da década de 1950, partiram, depois de venderem a maior
parte dos bens que por cá possuíam, para investir naquela parte
longínqua do mundo, quando ainda não havia voos regulares de pouco mais
de dez horas de viagem por avião. Foram no paquete Angola ou Império
(não sei bem…) e demoraram vinte e um dias, entre escalas e enjoos.
Estabeleceram-se perto da Gorongosa, numa pequena localidade internada
na savana, de nome Canda, que veio dar o nome a uma pequena firma
comercial (duas ou três lojas de comércio ou “cantinas” como por lá se
dizia…) denominada “Canda Comercial, Ldª”, em sociedade por quotas com
um familiar que já por lá se encontrava e era funcionário público.
Essa família de tradições e vivência profundamente cristãs, era
constituída por muitos filhos. Os mais velhos ficaram por cá, a cargo de
pessoas das suas relações e confiança e os mais pequenitos seguiram com
os pais.
Instalados numa zona onde não havia hospitais, escolas, recursos
básicos; onde as vias de comunicação eram estreitas picadas,
intransitáveis no tempo das chuvas, a mais de 100 quilómetros da
povoação mais próxima – Vila Paiva de Andrade -; onde não havia igreja
nem serviços religiosos minimamente organizados (o missionário raramente
passava por ali…), o casal assumiu, muito mais que supletivamente,
muitas dessas funções. A casa deles, para além de estabelecimento
comercial, franqeou as portas e as suas boas vontades a muitos outros
serviços: catequese, apoio social a legiões de pobres e famintos,
serviços de parto a parturientes que não tinham as mínimas condições de
salubridade e higiene, ensino das primeiras letras, assistência médica
primária, “escola” de artes e ofícios (alfaiataria, culinária, hábitos
de higiene, etc.).
Essa famíla foi, durante muito tempo, uma tábua de salvação para muita
gente e a voz humilde e ao mesmo tempo radicalmente profunda da verdade
do Evangelho.
Testemunhavam-no, muito tempo depois de terem saído do Canda para Vila
Pery (hoje Chimoio) – onde a firma possuía uma loja e porque era
imperioso darem aos filhos a possibilidade de prosseguir a sua formação
académica – as muitas pessoas que recordavam com imenso carinho e
saudade a “família Rocha”. A mãe de família era tratada “mamana” –
“mãe”…
Vieram-me à lembrança os nomes de Áquila e Priscila e de Lídia (do tempo
de S. Paulo) e de uma legião de casais e famílias de todos os tempos
que deram e dão à Igreja sinais vivos da presença de Cristo e da
Boa-Nova da Salvação.
Cá, como em longínquas terras, continua a haver tanta gente que dá o
melhor que tem das suas vidas pela causa de Cristo e da Sua Igreja.
A evangelização não é um título de honra, mas uma necessidade que se nos
impõe como batizados. “Ai de mim se não evangelizar!” – Lembra-nos o
“Apóstolo dos Gentios” – (Paulo).
Porque vai longa a crónica, aqui fica este pequeno testemunho.
Diác. António Poças
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