domingo, 15 de janeiro de 2023

Evangelizar no anonimato para que Cristo se torne conhecido - (O testemunho de uma família que não veio nos jornais)

 

Quando o Senhor diz no Evangelho que não devemos ser auto-propagandistas nem protagonistas das nossas ações, falando acerca da oração, da esmola e do jejum, está-nos a lembrar que o discípulo não deve estar à espera de enfeitar a sua lapela com medalhas, nem pronto para dar o NIB da sua conta bancária ao Espírito Santo para que Ele vá transferindo salários e compensações para a sua conta.
O Evangelho é bem claro quando compara os missionários a “servos inúteis”. Simplesmente se lhes recomenda que façam tudo aquilo que lhes compete pela sua condição de servidores, de acordo com os dons e capacidades recebidas e o reforço abundante da Graça Divina. E devem restituí-lo gratuitamente (porque também de graça receberam os dons que Deus lhes creditou…).
Lógica radicalmente oposta à lógica do mundo, que ainda tece loas e granjeia regalias por vezes escandalosamente chorudas aos que são pródigos em palavras e demagogias fáceis, mas paupérrimos em valores éticos, morais, ou outros e completamente alheios à fraternidade e ao amor para com o próximo.
Já escrevi em textos anteriores que muitos missionários e discípulos do Evangelho testemunharam essa lógica “invertida” a contra-ponto da do mundo, dando tudo o que tinham, incuindo o mais precioso de todos os dons – a própria vida.
Penso hoje, e partilho-o aqui, na história de uma família modesta, oriunda dos arredores de Viseu e que eu vim a conhecer em Moçambique. É uma das muitas famílias anónimas, cuja história não vem publicada nos jornais, muito menos nas revistas cor-de-rosa.
Um dia, nos idos da década de 1950, partiram, depois de venderem a maior parte dos bens que por cá possuíam, para investir naquela parte longínqua do mundo, quando ainda não havia voos regulares de pouco mais de dez horas de viagem por avião. Foram no paquete Angola ou Império (não sei bem…) e demoraram vinte e um dias, entre escalas e enjoos.
Estabeleceram-se perto da Gorongosa, numa pequena localidade internada na savana, de nome Canda, que veio dar o nome a uma pequena firma comercial (duas ou três lojas de comércio ou “cantinas” como por lá se dizia…) denominada “Canda Comercial, Ldª”, em sociedade por quotas com um familiar que já por lá se encontrava e era funcionário público.
Essa família de tradições e vivência profundamente cristãs, era constituída por muitos filhos. Os mais velhos ficaram por cá, a cargo de pessoas das suas relações e confiança e os mais pequenitos seguiram com os pais.
Instalados numa zona onde não havia hospitais, escolas, recursos básicos; onde as vias de comunicação eram estreitas picadas, intransitáveis no tempo das chuvas, a mais de 100 quilómetros da povoação mais próxima – Vila Paiva de Andrade -; onde não havia igreja nem serviços religiosos minimamente organizados (o missionário raramente passava por ali…), o casal assumiu, muito mais que supletivamente, muitas dessas funções. A casa deles, para além de estabelecimento comercial, franqeou as portas e as suas boas vontades a muitos outros serviços: catequese, apoio social a legiões de pobres e famintos, serviços de parto a parturientes que não tinham as mínimas condições de salubridade e higiene, ensino das primeiras letras, assistência médica primária, “escola” de artes e ofícios (alfaiataria, culinária, hábitos de higiene, etc.).
Essa famíla foi, durante muito tempo, uma tábua de salvação para muita gente e a voz humilde e ao mesmo tempo radicalmente profunda da verdade do Evangelho.
Testemunhavam-no, muito tempo depois de terem saído do Canda para Vila Pery (hoje Chimoio) – onde a firma possuía uma loja e porque era imperioso darem aos filhos a possibilidade de prosseguir a sua formação académica – as muitas pessoas que recordavam com imenso carinho e saudade a “família Rocha”. A mãe de família era tratada “mamana” – “mãe”…
Vieram-me à lembrança os nomes de Áquila e Priscila e de Lídia (do tempo de S. Paulo) e de uma legião de casais e famílias de todos os tempos que deram e dão à Igreja sinais vivos da presença de Cristo e da Boa-Nova da Salvação.
Cá, como em longínquas terras, continua a haver tanta gente que dá o melhor que tem das suas vidas pela causa de Cristo e da Sua Igreja.
A evangelização não é um título de honra, mas uma necessidade que se nos impõe como batizados. “Ai de mim se não evangelizar!” – Lembra-nos o “Apóstolo dos Gentios” – (Paulo).
Porque vai longa a crónica, aqui fica este pequeno testemunho.
 

Diác. António Poças

Sem comentários:

Enviar um comentário